terça-feira, 29 de novembro de 2016

INTRODUÇÃO - A GÊNESE


Esta nova obra é mais um passo adiante nas conseqüências e aplicações do Espiritismo. Como seu título indica, ela tem por objetivo o estudo de três pontos diferentemente interpretados e comentados até o presente: a Gênese, os milagres e as predições, nas suas relações com as novas leis que emanam da observação dos fenômenos espíritas.
Dois elementos ou, se quiserem, duas forças regem o Universo: o elemento espiritual e o elemento material. Da ação simultânea desses dois princípios nascem os fenômenos especiais que são naturalmente inexplicáveis, se não considerarmos um dos dois, exatamente como a formação da água seria inexplicável se deixássemos de levar em conta um de seus dois elementos constituintes: o oxigênio e o hidrogênio.
O Espiritismo, demonstrando a existência do mundo espiritual e suas relações com o mundo material, dá a solução de uma infinidade de fenômenos incompreendidos e considerados, por isso mesmo, como inadmissíveis por uma certa classe de pensadores. Esses fatos existem em grande quantidade nas Escrituras, e é pelo desconhecimento da lei que os rege que os comentadores dos dois campos opostos, girando incessantemente no mesmo círculo de ideias, uns desconsiderando os dados positivos da Ciência, outros, os do princípio espiritual, não puderam chegar a uma solução racional.
Essa solução está na ação recíproca do espírito e da matéria. Ela retira, é verdade, da maioria desses fatos, a característica sobrenatural; porém, o que vale mais: admiti-los como resultantes das leis da natureza ou rejeitá-los completamente?
Sua rejeição absoluta leva consigo a própria base da instituição, enquanto que a sua admissão nesse título, não suprimindo mais que os acessórios, deixa essa base intacta. Eis por que o Espiritismo conduz tantas pessoas para a crença de verdades que, até pouco tempo atrás, consideravam como utopias.
Portanto, esta obra é, como dissemos, um complemento das aplicações do Espiritismo, sob um ponto de vista especial. Sua documentação estava pronta, ou pelo menos elaborada, há muito tempo, mas o momento de publicá-la ainda não havia chegado. Era preciso, inicialmente, que as idéias que deviam constituir a sua base chegassem à maturidade, e, além disso, levar em consideração a oportunidade das circunstâncias. O Espiritismo não tem nem mistérios nem teorias secretas; nele tudo deve ser dito às claras, a fim de que cada um possa julgá-lo com conhecimento de causa, mas cada coisa deve vir a seu tempo, para vir seguramente. Uma solução dada precipitadamente, antes da elucidação completa da questão, seria uma causa mais de atraso que de adiantamento. A importância da causa, na questão que aqui se trata, nos impunha o dever de evitar toda precipitação.
Pareceu-nos necessário, antes de entrar no assunto, definir claramente o papel respectivo dos espíritos e dos homens na edificação da nossa Doutrina. Essas considerações preliminares, que afastam dela toda ideia de misticismo, constituem o objetivo do primeiro capítulo, intitulado Fundamentos da Revelação Espírita; pedimos uma atenção rigorosa para esse ponto, porque é aí que se encontra, de algum modo, o nó da questão.
Não obstante a parte que toca à atividade humana na elaboração dessa Doutrina, a sua iniciativa pertence aos espíritos, ela, porém, não é formada da opinião pessoal de cada um deles; ela não é, e nem pode ser, mais que o resultado do seu ensino coletivo e concordante. Somente nessa condição, ela pode se dizer a Doutrina dos Espíritos, de outra forma seria apenas a doutrina de um espírito, e só teria o valor de uma opinião pessoal.
Generalidade e concordância no ensino, tal é a característica essencial da Doutrina, a própria condição de sua existência; daí resulta que todo princípio que não recebeu a consagração do controle e da generalidade não pode ser considerado como parte integrante dessa mesma Doutrina, mas como uma simples opinião isolada, da qual o Espiritismo não pode assumir a responsabilidade.
É essa coletividade concordante da opinião dos espíritos, passada, além disso, pelo critério da lógica, que faz a força da Doutrina Espírita e lhe assegura a perpetuidade.
Para que ela mudasse, seria preciso que a universalidade dos espíritos mudasse de opinião, e que viessem um dia dizer o contrário do que disseram. Visto que a Doutrina tem a sua fonte no ensino dos espíritos, para que ela desaparecesse, seria necessário que os espíritos deixassem de existir. É isso também que a fará sempre prevalecer sobre as teorias pessoais que não têm, conforme ela, suas raízes em toda a parte.
O Livro dos Espíritos só viu seu crédito se consolidar porque é a expressão de um pensamento coletivo, geral. No mês de abril de 1867, viu-se completar seu primeiro decênio; nesse intervalo, os princípios fundamentais dos quais se formaram suas bases foram sucessivamente acabados e desenvolvidos, em conseqüência do ensino progressivo dos espíritos, mas nenhum recebeu um desmentido da experiência, todos, sem exceção, ficaram de pé, mais fortes do que nunca, enquanto que, de todas as idéias contraditórias que tentaram lhe opor, nenhuma prevaleceu, precisamente porque, de todas as partes, o contrário era ensinado. Este é um resultado característico que podemos proclamar sem vaidade, visto que dele nunca nos atribuímos o mérito.
Os mesmos escrúpulos presidiram a redação das nossas outras obras, nós pudemos, verdadeiramente, denominá-las segundo o Espiritismo, porque estávamos certos da sua conformidade com o ensino geral dos espíritos. O mesmo ocorre com esta, que podemos, por razões idênticas, dar como complemento das precedentes, com exceção, todavia, de algumas teorias ainda hipotéticas, que tivemos o cuidado de indicar como tais, e que devem ser consideradas como opiniões pessoais, até que tenham sido confirmadas ou contestadas, a fim de não fazer pesar a responsabilidade delas sobre a Doutrina.
Não obstante, os leitores assíduos da Revista * puderam ali observar, na forma de esboço, a maioria das idéias que estão desenvolvidas nesta última obra, como fizemos com as precedentes. A Revista é, freqüentemente, para nós, um campo de experiência destinado a sondar a opinião dos homens e dos espíritos sobre certos princípios, antes de admiti-los como partes constituintes da Doutrina. Allan Kardec ( A Gênese)

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