quinta-feira, 24 de março de 2011

UMA ESTÓRIA DE CARÍCIAS


              Era uma vez,    muito tempo, um casal feliz, Antonio e  Maria, com dois filhos chamados João e  Lúcia. Para entender a felicidade deles, é preciso retroceder àquele tempo.
       Cada pessoa, quando nascia, ganhava um saquinho de carinhos. Sempre que uma pessoa punha a  mão  no saquinho  podia tirar  um Carinho Quente. Os  Carinhos Quentes faziam as  pessoas sentirem-se  quentes e aconchegantes, cheias de carinho. As pessoas que não recebiam Carinhos Quentes expunham- se ao perigo de pegar uma doença nas costas que as fazia murchar e morrer.
       Era fácil receber Carinhos Quentes. Sempre que alguém os queria, bastava pedi-los. Colocando-se a  mão  na sacolinha  surgia  um  Carinho do tamanho da  mão de  uma  criança. Ao vir  à  luz o  Carinho  se  expandia e se transformava num grande Carinho Quente que podia ser colocado no ombro, na cabeça, no  colo da pessoa. Então, misturava-se com a pele e a pessoa se sentia toda bem.
       As  pessoas  viviam  pedindo  Carinhos  Quentes  umas  às  outras  e  nunca  havia  problemas  para  conseguí-los, pois eram dados de graça. Por isso todos eram felizes e cheios de carinhos, na maior parte  do tempo.
       Um dia uma bruxa má ficou brava porque as pessoas, sendo felizes, não comprovam as poções e  ungüentos que ela vendia. Por ser muito esperta, a bruxa inventou um plano muito malvado. Certa manhã  ela  chegou  perto  de Antonio  enquanto  Maria  brincava  com  a filha  e  cochichou  em  seu  ouvido:  "olha  Antonio, veja os carinhos que Maria está dando à Lúcia. 
       Se ela continuar assim vai consumir todos os carinhos e não sobrará nenhum para você".
       Antonio ficou admirado e  perguntou: "Quer dizer então que  não é sempre que existe  um Carinho  Quente na sacola?"
       E a bruxa respondeu: "Eles podem se acabar e você não os ganhará mais". Dizendo isso a bruxa foi  embora, montada na vassoura, gargalhando muito.
       Antonio ficou preocupado e começou a reparar cada vez que Maria dava um Carinho Quente para  outra pessoa, pois temia perdê-los. Então começou a se queixar a Maria, de quem gostava muito, e Antonio  também parou de dar carinhos aos outros, reservando-os somente para ela.
       As  crianças  perceberam  e  passaram  também  a  economizar  carinhos,  pois  entenderam  que  era  errado dá-los. Todos ficaram cada vez mais mesquinhos.
       As pessoas do lugar começaram a sentir-se menos quentes acarinhados e algumas chegaram a  morrer por falta de Carinhos Quentes.
       Cada vez mais gente ia à bruxa para adquirir unguentos e poções. Mas a bruxa não queria realmente  que as pessoas morressem porque se isso ocorresse, deixariam de comprar poções e unguentos: inventou  um novo plano. Todos ganhavam um saquinho que era muito parecido com o saquinho de Carinhos, porém  era frio e continha  Espinhos  Frios. Os  Espinhos  Frios faziam as  pessoas sentirem-se frias e espetadas,  mas evitava que murchassem.
       Daí para frente, sempre que alguém dizia "Eu quero um Carinho Quente", aqueles que tinham medo  de perder um suprimento, respondiam: "Não posso lhe dar um Carinho Quente, mas, se você quiser, posso  dar-lhe um Espinho Frio ".
       A situação ficou muito complicada porque, desde a vinda da bruxa havia cada vez menos Carinhos  Quentes para se achar e estes se tornaram valiosíssimos. Isto fez com que as pessoas tentassem de tudo  para consegui-los.
       Antes da bruxa chegar as pessoas costumavam se reunir em grupos de três, quatro, cinco sem se  preocuparem  com quem  estava dando  carinho  para quem.  Depois  que  a  bruxa  apareceu,  as  pessoas  começaram  a  se juntar  aos  pares,  e  a  reservar  todos  seus  Carinhos  Quentes  exclusivamente  para  o  parceiro. Quando se esqueciam e davam um Carinho Quente para outra pessoa, logo se sentiam culpadas. 
As  pessoas que  não conseguiam encontrar  parceiros generosos  precisavam trabalhar  muito  para obter  dinheiro para comprá-los.
       Outras pessoas se tornavam simpáticas e recebiam muitos Carinhos Quentes sem ter de retribuí-los. 
Então, passavam a vendê-los aos que precisavam deles para sobreviver. Outras pessoas, ainda, pegavam  os  Espinhos  Frios, que eram  ilimitados e de graça, cobriam-nos com cobertura  branquinha e estufada,  fazendo-os passar por Carinhos Quentes. 
Eram na verdade carinhos falsos, de plástico, que causavam novas dificuldades. Por exemplo, duas  pessoas se juntavam  e trocavam entre si,  livremente, os seus  Carinhos Plásticos. Sentiam-se  bem em  alguns  momentos  mas,  logo depois  sentiam-se  mal.  Como  pensavam  que  estavam trocando  Carinhos  Quentes, ficavam confusas.
       A situação, portanto, ficou muito grave. Não faz muito tempo uma mulher especial chegou ao lugar. Ela nunca tinha ouvido falar na bruxa e não se preocupava que os Carinhos Quentes acabassem. Ela os dava de graça, mesmo quando não eram  pedidos. As pessoas do lugar desaprovavam sua atitude porque essa mulher dava às crianças a idéia de  que  não deviam se  preocupar  com que os  Carinhos Quentes terminassem, e a chamavam de  Pessoa  Especial.
       As  crianças  gostavam  muito  da  Pessoa  Especial  porque  se  sentiam  bem  em  sua  presença  e  passaram a dar Carinhos Quentes, sempre que tinham vontade.
       Os  adultos ficavam  muito  preocupados  e  decidiram  impor  uma  lei  para  proteger  as  crianças  do  desperdício de seus  Carinhos Quentes. A  lei dizia que era crime distribuir Carinhos Quentes sem  uma  licença. Muitas crianças, porém, apesar da lei, continuavam a trocar Carinhos Quentes sempre que tinham  vontade  ou  que  alguém  os  pedia.  Como  existiam  muitas  crianças  parecia  que  elas  prosseguiriam  seu  caminho.
       Ainda  não sabemos dizer o que acontecerá. As forças da lei e da ordem dos adultos forçarão as  crianças a parar com sua imprudência?
        Os adultos se juntarão à Pessoa Especial e às crianças e entenderão que sempre haverá Carinhos  Quentes, tantos quantos forem necessários?
       Lembrar-se-ão dos dias em que os Carinhos Quentes eram inesgotáveis porque eram distribuídos  livremente?
       Em qual dos lados você está?
       O que você pensa disto?


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