sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
SIMBOLOS ARQUETIPOS
Um gradiente
é um caminho ao longo do qual a energia flui. No estado de natureza – isto é, no estado paradisíaco do como imaginamos –
nenhum trabalho como tal é requerido ou realizado. À semelhança do cachorrinho
de estimação que vive num lar confortável, dorme bastante, pedincha sobras da
mesa dos donos e (se não foi castrado) entrega-se periodicamente a frenéticas
atividades sexuais, também o ser humano que tivesse puramente no estado de natureza seria
sua existência dominada tão somente pelo instinto e o desejo físicos. Mas os
humanos criaram cultura e
especializaram-se no trabalho, e isso pressupõe desviar a energia dos
gradientes naturais e canalizá-la para outros caminhos aparentemente artificiais.
Como acontece isso?
Jung não
concebe a natureza e a cultura como diametralmente opostas uma á outra. Pelo
contrário, considera que ambas pertencem á natureza humana de um modo
fundamental. As invenções humanas da cultura
e da especialização no trabalho produzem-se mediante a criação pela
mente de análogos para as metas e atividades instintivas. Tais análogos funcionam como símbolos. Idéias
e imagens – conteúdos mentais – canalizam a libido em novas direções,
desviando-a de seus gradientes e objetos naturais. Por exemplo, surge na
criança pequena uma idéia que é tão atraente quanto a imagem do seio nutrício.
Essa idéia, concretizada em atividades lúdicas, atrai para si mais energia do
que o próprio seio e permite à criança retardar a satisfação da necessidade
premente de mamar e, por fim, o desmame espontâneo. Na vida adulta, o análogo
ou símbolo que substitui o seio pode ser uma refeição. O pensamento de
desfrutar o haute cousine oferece ao
adulto o mesmo tipo de calmante que a
imagem do seio farto à criança pequena. Uma idéia ou um objeto cultural capta assim a energia que, de outro modo, permaneceria fixada no seio da mãe. Seio
e restaurante são símbolos para algo que, nesse momento do desenvolvimento
psicológico, não pode expressar-se de melhor maneira.
Um símbolo
atrai para si uma grande soma de energia
e dá forma aos processos pelos quais a energia psíquica é canalizada e
consumida.
Os símbolos
são os grandes organizadores da libido. O uso por Jung do termo símbolo é muito
preciso. Um símbolo não é um signo. Os signos podem ser lidos e interpretados sem perda de seu
significado. Um signo de parar signifique: “Pare” Mas um símbolo é, no entender
de Jung, o melhor enunciado ou expressão
possível para algo que é ou essencialmente incognoscível ou ainda não
cognoscível, dado o presente estado de consciência. As interpretações de símbolos são tentativas
para traduzir o significado do símbolo
para um vocabulário e um conjunto de termos mais compreensíveis, mas o símbolo
permanece como a melhor expressão presente do significado que ele
comunica. Os símbolos franqueiam-nos o
caminho de acesso ao mistério. Por essa
razão, as descrições de estados espirituais exaltados e de experiências
místicas referem-se frequentemente a satisfações físicas e instintivas, como
alimentação e sexualidade. Os
místicos falam sobre o êxtase da união com Deus como
uma experiência orgásmica, e é muito provavel que o seja. A experiência do símbolo une corpo e alma num poderoso e
convincente sentimento de integralidade.
Para Jung o
arquétipo é uma fonte primária de energia e padronização psíquica. Constitui a
fonte essencial de símbolos psíquicos, os quais atraem energia, estruturam-na e
levam, em última estância, à criação de civilização e cultura.
O arquétipo
e instinto estão profundamente relacionados. Mente e corpo estão inter-relacionados a tal ponto que
são quase inseparáveis. Se isso for ignorado, a discussão de imagem arquétipas
escorrega facilmente para uma visão abertamente espiritualizada e desprovida de
alicerces. Para discutir o arquétipo
desde um ponto de vista psicológico o em lugar de filosófico ou metafísico,
temos que fundamentá-lo na vida, tal como é vivida no corpo humano, onde também
se entretece com a história pessoal e o desenvolvimento psicológico.
Todos temos os mesmos arquétipos e instintos. Quanto à
individualidade, tem que ser procurada em outras áreas da personalidade. A verdadeira individualidade, argumentou
7. CONSCIÊNCIA
COLETIVA
Através do
conceito de arquétipo, Jung abriu para a psicoterapia a possibilidade de perceber nos mitos
diferentes caminhos simbólicos para a formação da consciência coletiva. Nesse
sentido, todos os simbolos existentes numa cultura e atuantes nas suas
instuituições são marcos do grande caminho da humanidade para o consciente.
Estes símbolos são as crenças, os costumes, as leis, as obras de arte, o
conhecimento científico, os esportes, as festas, todas as atividades, enfim,
que formam a identidade cultural. Dentre estes símbolos, os mitos têm lugar de
destaque devido à profundidade e abrangência com que funcionam no grande e
difícil processo de formação da consciência coletiva.
Os pais
ensinam os filhos como é a vida, relatando-lhes as experiências pelas quais
passaram. Os mitos fazem a mesma coisa num sentido mais amplo, pois delineiam
padrões para a caminhada existencial através da dimensão imaginária. Com o
recurso da imagem e da fantasia, os mitos abrem para a consciência o acesso
direto ao inconsciente coletivo. Até
mesmo os mitos hediondos e cruéis são da maior utilidade, pois nos ensinam
através da tragédia os grandes perigos do processo existencial.
Todavia, os arquétipos são ainda mais do que a matriz que
forma os símbolos para estruturar a consciência. Eles são também a fonte que os
realimenta.
Por isso, os mitos, além de gerarem padrões de comportamentos humano, para
vivermos criativamente, permanecem
através da história como marcos
refrenciais através dos quais a Consciência pode voltar às suas raízes para se
revigorar. A obra de Jung demonstrou fartamente que o Inconsciente não é
somente a origem da consciência mas, também a sua fonte permanente de reabastecimento.
Da mesma forma que a noite permite às plantas prepararem-se para cada novo dia
e o sono descansa e reabastece o corpo, assim, também, o inconsciente renova a
consciência. Das trevas fez-se a luz que, através delas, se mantém. De noite,
por meio dos sonhos; de dia, através da fantasia, os arquétipos produzem e
revigoram os símbolos. A interação do consciente com o Inconsciente Coletivo,
através dos símbolos, forma, então, um relacionamento dinâmico,
extraordinariamente criativo, cujo todo podemos denominar de Self Cultural. Os
mitos são, por isso, os depositários de símbolos tradicionais no funcionamento
do Self Cultural, cujo principal produto é a formação e a manutenção da
identidade um povo.
A grande
utilidade dos mitos, por conseguinte, está não só no ensinamento dos caminhos
que percorrem a Consciência Coletiva de uma determinada cultura durante sua
formação, mas também na delineação do mapa do tesouro cultural através do qual
a Consciência Coletiva pode, a qualquer momento, voltar para realimentar-se
e continuar se expandindo. Mas,
poderíamos perguntar, qual a utilidade do conhecimento dos mitos de uma
cultura, tão diferente quanto a Greco-Romana, para a Consciência Coletiva
Brasileira?
Nosso país
atravessa atualmente uma fase histórica da maior importância para a busca de
uma identidade a partir da sua sociedade multicultural. Valorizando nossa ecologia, tentando proteger
o que resta das culturas indígenas, estudando as culturas negras representantes
da negritude em nosso meio, traduzindo os rituais da cultura japonesa já
pujantemente existente entre nós e voltando-nos às nossas raízes ibéricas para
acompanhar o renascimento de Portugal e Espanha do interior do seu enigma
histórico, nós brasileiro caminhamos para descobrir quem somos.
Nesta
tarefa, o conhecimento da cultura Greco-Romana muito pode nos ajudar, tanto
pela imitação, quanto pela diferenciação. A imitação nos permite buscar nossos
símbolos e empregá-los como pontes entre nossa Consciência e nossas raízes, da
mesma forma que os gregos o faziam. A diferenciação nos estimula a buscar nossa
maneira especial e única de viver com os nossos próprios símbolos.
Existe ainda
algo estraordinário no estudo da Mitologia Grega. Trata-se de compreender a
razão pela qual a Cultura Ocidental se voltou
tão intensamente para a Grécia durante o Renascimento, o que muitos têm
compreenido como um retrocesso ao paganismo e um conseqüentente desvirtuamento
do Cristianismo. No entretanto, lado a
lado com a intolerância da Inquisição e
sua obra repressiva das variáveis míticas (heresias), percebemos, no Renascimento,
a Consciência da fé cristã, não só com os símbolos da religião greco-romana e
egípcia, como com toda a sorte de crenças, superstiçoes e magia. Foi nesta
convivência entre religião, alquimia, astrologia e superstição que
nasceu o humanismo europeu, útero e berço da ciência moderna. Não vejo
nisso um retrocesso do Cristianismo e sim um
avanço. A árvore mítica Judaico-Cristã
foi buscar em outras culturas o material imaginário necessário para implantar a
transição do Self Cultural e encontrou, na Mitologia Grega, uma fonte
inesgotável de símbolos de convivência com as forças da natureza. Este mesmo
fator pode nos ajudar criativamente na interação entre, por um lado, nossas
raízes judaico-cristãs e a cultura japonesa de dominãncia patricarcal. E, por
outro lado, as culturas indígenas e negras de dominãncia matriarcal na busca da
construção da identidade brasileira, a partir de nossa Sociedade Multicultural.
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