UM POUCO DE HISTÓRIA II
Ensinar o
homem a cuidar de sua própria alma seria a principal tarefa a ser desempenhada
por ele, Sócrates, e por todos os filósofos autênticos. Sócrates acreditava vivamente
ter recebido essa tarefa por Deus, como podemos ler na Apologia de Sócrates, de
Platão : (...) é a ordem de Deus. E estou
persuadido de que não há para vós maior bem na cidade que esta minha obediência
a Deus. Na verdade, não é outra coisa o que faço nestas minhas andanças a não
ser persuardir a vós, jovens e velhos, de que não deveis cuidar só do corpo,
nem exclusivamente das riquezas, e nem de qualquer outra coisa antes e mais
fortemente que da alma, de modo que ela se aperfeiçoe sempre, pois não é do
acúmulo de riquezas que nasce a virtude, mas do aperfeiçoamento da alma é que
nascem as riquezas e tudo o que mais importa ao homem e ao Estado.
Segundo
Reale & Antiseri (1990), um dos raciocínios fundamentais feitos por
Sócrates para provar essa tese é o seguinte: uma coisa é o instrumento que se
usa e a outra é o sujeito que usa o instrumento. Ora, o homem usa seu corpo
como instrumento, o que significa que a essência humana utiliza o instrumento,
que é o corpo, não sendo, pois o próprio corpo. Assim, à pergunta “o que é o
homem?”, não seria lógico responder que é o seu corpo, mas sim que é “aquilo
que se serve do corpo”, que é a psyché, a alma. Esta mesma alma seria imortal e
fadada a reencarnar tantas vezes fossem necessárias até a alma se aperfeiçoar
de tal forma que não precisasse mais voltar a este planeta.
Jostein
Garrder fala que as pessoas ainda hoje se perguntam por que Sócrates teve de
morrer. Então ele faz um paralelo entre Jesus e Sócrates: ambos eram pessoas carismáticas
e eram consideradas pessoas enigmáticas ainda em vida. Nenhum dos dois
deixou qualquer escrito, e precisamos confiar na imagem e impressões que eles
deixaram em seus discipulos contemporâneos. Ambos eram mestres da retórica e
tinham tanta autoconfiança no que falavam que podiam tanto arrebatar quanto
irritar seus ouvintes. E ambos acreditavam falar em nome de uma coisa que era
maior do que eles mesmos. Ambos desafiavam agudamente os que detinham o poder
na sociedade, apontando sem piedade as
hipocrisias. Foi isto que, no fim, lhes custou a vida. Afinal, os que questionam
são sempre perigosos para os poderosos e pseudo-sábios de todas épocas.
A maneira
como Sócrates fazia as pessoas conhecerem-se a si mesmas também estava ligada à
sua descoberta de que o homem, em sua essência, é a psyché. Em seu método,
chamado de maiêutica, ele tendia
a despojar a pessoa da sua falsa ilusão do saber, fragilizando a sua vaidade e
permitindo, assim, que a pessoa estivesse
mais livre de falsas crenças e mais suceptível á extrair a verdade
lógica que também estava dentro de si.
Sendo filho de uma parteira, Sócrates costumava comparar a sua atividade como a
de trazer ao mundo a verdade que há dentro de cada um. Ele nada ensinava,
apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de
falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de
dentro, de acordo com a consciência, e que não se pode obter expremendo-se os outros. Até mesmo na atividade de aprender uma disciplina
qualquer, o professor nada mais pode fazer que orientar e esclarecer dúvidas,
como um lapidador tira o excesso de entulho do diamante, não fazendo o próprio
diamante.
O processo de aprender é um processo interno, e tanto mais eficaz quanto maior
for o interesse de aprender. Só o conhecimento que vem de dentro é capaz de
revelar o verdadeiro discernimento. Em certo
sentido, dizemos que quando uma pessoa “toma juízo”, ela simplesmente
traz à consciência algo muito claro que já estava “dentro” de si. Assim, as
finalidades do diálogo socrático são a catarse e a educação para o autoconhecimento.
Dialogar com Sócrates era se submeter a uma “lavagem da alma” e a uma prestação
de contas da própria vida. Como disse Platão: “quem quer que esteja próximo a Sócrates e, em contato com ele, põe-se
a raciocinar, qualquer que seja o assunto tratado, é arrastado pelas espirais
do diálogo e inevitavelmente é forçado a seguir adiante, até que,
surpreendentemente, ver-se a prestar contas de si mesmo e do modo como vive,
pensa e viveu”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário